miércoles, 30 de junio de 2010

Construção de dois 4: Dànskï e Gildo em Solilóquio de São João



Andando pela rua alheio a tudo, olhei a fogueira de São João e pensei que não saberia dizer se ela me queria tanto quanto eu a ela naquele instante. Quis ardentemente que suas chamas me lambessem e que as labaredas consumissem aquele corpo que eu achei que era meu, mas a cada dia vou descobrindo que não me tenho mais, desde que entreguei meu coração num tempo que nem me lembro quando. Antes que me lançasse às chamas, sentei na calçada me afastando mentalmente dos últimos pedidos de casamento e declarações de amor, chorando mais que chuva...



...pensei que podia me afastar de mim mesmo, já que não reconhecia mais nem minhas próprias atitudes, mas acho que tive medo de entrar em mim e nunca mais me reencontrar. Mais uma vez sentado no chão, me deixei escorrer pelos cantos, sentindo que um rio de tragédias se misturava ao meu sangue deixando a minha alma arrepiada pela certeza de que desde o início eu soubera de tudo e mesmo assim, não tivera medo e me lancei, porque gosto das coisas inexplicáveis, que pra você são só ar e sangue... gosto do calor dessa fogueira, que deixa minha alma cada minuto mais gelada.


Sinto que estou a cada dia mais vazio de mim. Vivo a rabiscar frases, traçar desenhos tortos. Na semana passada, comprei uma máquina de picotar papel na intenção de apagar o passado e foi tudo em vão: com a cara escorrendo e o copo de vinho vazio, senti uma solidão tão dolorosa, enquanto a máquina transformava fotos e textos em tiras fininhas... Pensei que um dia não estarei mais aqui e então será que alguém iria olhar essas coisas com carinho e curiosidade, ou seriam todas postas numa caixa sem destino certo, além de teias de aranha e pó. Ou quem sabe se algum dia iriam formar desenhos de meu passado subindo na fumaça d'uma fogueira como esta...


Acho que meu maior (de)feito é ver poesia em tudo, até mesmo no sangue e na lágrima. Até nessa dor que me atravessa a garganta, sem atravessar minhas noites e dias. Tenho um certo medo de um dia não existir nenhum rastro de mim. Ando lendo desenfreadamente, marcando e grifando, deixando minhas impressões nos livros usados que compro, na esperança de encontrar subterfúgios e meras passagens de um alguém que se perdeu no caminho ou nunca quis ser encontrado. E também imagino alguém lendo um livro que li e pensando no quanto sofri nesse dia, nessa vida. E se pensar por que sofri, é porque sofre também. Às vezes eu mesmo sofro assim ao ler alguns livros e fico sem ar, paro de ler e penso em quem escreveu...


...olhando pra dentro da fogueira eu continuo meu solilóquio inútil, me sentindo o cara mais complicado do mundo. Às vezes me sinto tão complexo, quanto se tivesse fases e todas elas fossem trágicas. Acredito cada dia mais que constatar verdades é uma mentira na qual nos esforçamos em acreditar, porque afinal de contas o que é a verdade? É axioma, definição exaustiva, conceito? Em que mundo deserto eu caminho, tão árido, só tendo o oásis de minha auto-estima intermitente? Disseram que eu sou um anacoluto ambulante, mas prefiro achar que eu sou aforismo. Não é que deixe as frases quebradas. É que elas são o suficiente pra redundar se houver delongas...


Onírico ou louco? Ando ouvindo o som da minha própria voz. Quando não me ouço, parafusos imaginários saltam de mim. Minha mente vã me faz pensar que me despedaço e o pior que tenho a impressão de que ouço o barulho de mim mesmo caindo de mim, enquanto meu coração dispara, querendo encontrar alguém pra passar a noite ouvindo Piaf e fraseando na madrugada, enquanto choramos mágoas tomando vinho barato, pra dor de cabeça do dia seguinte dispersar as lembranças.


Levanto e deixo pra trás a fogueira, que vai queimando minhas vontades e eu vou pensando bobagens: se alguém escrever uma poesia pra mim num papel velho e me entregar, eu me caso, mas só se a poesia for boa. Odeio rima pobre! ...a não ser que seja um soneto...


E então, sozinho em um quarto que não é meu, numa cama onde amores furtivos passaram em braços que nunca estarei, olho pela janela e vejo outro prédio. Alguém vê televisão. Ainda é São João, mas não há fogueiras lá fora. Resta apenas o frio no fundo do meu coração. Disputo com as formigas o último pedaço de chocolate amargo, meu preferido e você nunca soube, agora vou mudar de sabor, pois quando provei lembrei do último beijo que você me deu.


Fecho a janela e penso com o coração ainda disparado: todos têm a segunda chance por direito...

viernes, 11 de junio de 2010

Construção de dois "3": Gildo e Danski, no escuro do penhasco



Acordei de alma mais puída que o amor que procurei entre os vãos.
Talvez porque minha alma seja mais ilha do que eu me sinta mar.
O que é minha intenção? Borboleta preta ou lagarta verde? Não sei.
Não passo a vida buscando o passado que eu quis.
O passado passou e só ilumina o que deixei lá atrás.
Vou em busca é do escuro dos penhascos.
E não ofereço minha mão perguntando a ninguém
"Se eu pular, você pula?"
Prefiro pensar que sou estrada muito estranha, pra alguém trafegar.

"Poucas serão as pessoas que vão querer
carregar a mesa de madrugada com você.
Quando achar essa pessoa, acabou sua busca."
Estava escrito isso no meu biscoito da sorte.
Mas sabe? Prefiro carregar só e você me diz onde fica melhor
e vou te amar assim mesmo.
A gente discute e assim se encaixa.

Sei que é trabalho pra Hércules achar quem carregue junto
e se você achar, agarre, respeite, compreeenda e alimente o amor
até que chegue o dia de alguém partir.
Em vez de procurar a metade, alguém que carregue a mesa
penso é que jamais me contentaria com remendo.
Sei que minha metade veio ao mundo pra me ver e nunca me encontrou
E a mim pouco importa o que foi feito dos tesouros
que busquei em vãos puídos.
Mudo a vista de lado, e calo, esperando a calmaria dos ventos
O resto? Vai fluindo, vazando, escorrendo...

É, eu bem que chorei e esse amor foi um dilúvio,
naufrágio ou rio de lágrimas. Sobrevivi de alma já seca.
Porém não me iludo e sei que o pior ainda será
suportar o vazio do porta retrato
e eu tenho um vazio aqui. A foto vai e vem.
Mil vezes rasguei, revelei
E tentei além de mim, muitas vezes
Então tornei a rasgar...
Acho que vou amar alguém que me ame
e mesmo que saiba que eu não amo, vou achar que sim
Pra vida ficar menos árdua.

É que quando a gente ama, se perde.
Melhor não é amar, é curtir os sentimentos
sem deixar que a dor entre ao passar pela porta.
E se ela chegar, aviso que é o dia de faxina
E que tô jogando fora os livros sobre metamorfoses
Porque quanto mais a gente ama, mais o amor acontece
E muda, transforma. E o amor não quer transformação
Quer ser vivido, amado, sentido...
A velha história no escuro do penhasco
Se eu pular, você pula?

Cansaço de cair só no vácuo
e procurar o amor naquele tal puído dos vãos...
De dar-me por inteiro e receber tão pouco...
Li ontem um velho poema teu, "Meu coração em pó"...
"No corredor estreito que se tornou a minha vida,
eu sigo procurando tua imagem, as paredes me sufocam,
enquanto eu piso nos restos
da ausência que o teu amor deixou..."
Penso que já não dá mais pra mim.
Sofrer amadurece e eu quero mais é ser criança.
Daqui a pouco olho no espelho e pergunto:
Quem sou eu? O que fiz de mim?
Crise existencialista a essa altura, dá mais não...

...mas sabe o que em mim pesa agora?
É que ninguém quer mais ouvir a mesma história
Já encheu o saco e não da pra ter dois lados:
um que ri e um que chora a mesma mágoa,
o mesmo tédio, a mesma angústia funda sem remédio,
Eu vou é me dar ao luxo, mudar o mote.
Sei que o tempo não tem feição, não tem cheiro e nem tem cor...
Então se é assim, estarei na porta de saída, vendo o portão de chegada.

E rasgo de vez aquela carta que te escrevi faz 10 anos
mas esqueci de entregar.
Assim como você não quis explicar quando foi
que esqueceu de dizer que deixou de me amar, pra não me magoar.
Sei que você não tem culpa, afinal, por mais que acredite
que minha cabeça seja diferenciada de muitas
e que tenha um monte de vozes gritando ao mundo e a mim
que quando alguém abandona outro alguém devia apenas dizer:
"vou de trem, adeus meu bem e passe bem".