sábado, 30 de enero de 2010

Construção de dois "2": Gildo e Danski em Inacabado por tempo que o tempo dirá



Com você, uni versos e palavras...
Construí mundos invisíveis, onde ninguém jamais pode entrar...
E assim, me perdi de mim.
Agora ando em verso mudo, como o silêncio de um convento.
Uma triste cortina de renda, velhinha e em pedaços a espera de vento.
Uma parte de mim se perdeu...
Ó meu amor, longe de ti quem sou eu?

Sou como poço oco, parede sem reboco, peixe fora do mar...
Barco sem vela, pintor sem aquarela, vitrola sem tocar...
Sou poema sem rima, rua sem esquina...
sou concha vazia de quem o mar esqueceu...
De mim? O que restou...

Amei só...
Meu corpo verga, dilacerado ainda se move...
E os versos que uni por você, agora são parte morta.
Mesmo que meu grito se fizesse mudo, minha garganta rouca vomita teu corpo de fogo...
Meu corpo adeja na água.


Agora não tenho e já não posso.
Uni versos, porque as palavras não me pertencem mais...
O meu grito é vertical, pra te alcançar no horizonte.
Afora a saudade, adentro em esperas...
nos meus olhos, uma fina garoa... sou abismo de desmemórias pra você verter em sangue...

...colha e se farte do fruto farto do desejo escolhido...

jueves, 14 de enero de 2010

Construção de dois: Gildo e Danski nesse universo que é o amar...



Ando querendo pescar palavras
Buscar idéias...
Meus dias se converteram em silêncios ocupados
Desses que consomem a gente à exaustão

Tenho tantos medos e uma quantidade infinita de incertezas
então vago sem rumo, cambaleante
procuro em minhas margens os passos que não são meus
vacilante, sigo a estrada
pensando em dias de sol, dias de chuva...
...e sigo hesitando

Meu corpo é meu espelho
e na falta de outras certezas, voo
Busco asas no meu e no teu corpo
e minhas asas parecem sussurrar o tempo todo:
"Liberdade é voltar pra onde se quer estar
É ficar onde se sente bem
É voar pra onde está o desejo inerte"

...e rogo que seja meu o teu olhar
E que eu me permita ser permitida
Que me deixe entrar nos puídos dos vãos
e habitar as lacunas, as frestas
quero a promessa que habita os sorrisos
Já não quero ser poeira esquecida no tempo
nem temer o sentimento de posse
Porque possessão é antítese de amor

sábado, 2 de enero de 2010

Sonho Vago



Um sonho alado que nasceu um instante,
Erguido ao alto em horas de demência…
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristíssima, distante…

Onde está ele, o Desejado? O Infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?

E neste sonho eu já nem sei quem sou…
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou…

Um fogo-fátuo rútilo, talvez…
E eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e não me vês!…

Florbela Espanca

jueves, 31 de diciembre de 2009

Cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado...




Cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado
Quem diz que me entende nunca quis saber
Já fui internado numa clínica e aqui estou
Dizem que por falta de atenção dos amigos,das lembranças
E dos sonhos que se configuram tristes e inertes
Como uma ampulheta imóvel,não se mexe,não se move
Não trabalha
Estou trancado no banheiro
E faço marcas no meu corpo com um pequeno canivete
Deitado no canto,meus tornozelos sangram
E a dor é menor do que parece
Quando me corto me esqueço
Que é impossível ter da vida calma e força
Viver em dor,o que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer
Um de seus amigos já se foi
Quando mais uma ocorrência policial
Ninguém entende,não me olhe assim
Com este semblante de bom samaritano
Cumprindo o seu dever,como se eu fosse doente
Como se toda essa dor fosse diferente,ou inexistente
Nada existe pra mim,não tente
Você não sabe e não entende
E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito
Eu sei que a loucura está presente
E sinto a essência estranha do que é a morte
Mas esse vazio eu conheço muito bem
De quando em quando é um novo tratamento
Mas o mundo continua sempre o mesmo
O medo de voltar pra casa à noite
Os homens que se esfregam nojentos
No caminho de ida e volta da escola
A falta de esperança é o tormento
De saber que nada é justo e pouco é certo
E que estamos destruindo o futuro
E que a maldade anda sempre aqui por perto
A violência e a injustiça que existe
Contra todos...
Um mundo onde a verdade é o avesso
E a alegria já não tem mais endereço
Eu, trancado no meu quarto
Com meus discos e meus livros, meu cansaço
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo existir
E vou voar pelo caminho mais bonito
Só tenho alguns anos e sou velho...

Adaptação livre não consentida da letra de Clarice de Renato Russo em Uma outra estação.

martes, 29 de diciembre de 2009

Conto de fadas



Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Como que sarei a minha própria dor.

Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de ouro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
- Eu sou Aquele de quem tens saudade,
O príncipe do conto: "Era uma vez..."

Florbela Espanca

Tarde demais



Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E para o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...

Chegaste, enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia de ouro dos desertos
Procurara-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu era novo e lindo!...
E a minha boca morta grita ainda:
Por que chegaste tarde, ó meu Amor?

Florbela Espanca

Tédio



Passo pálida e triste. Ouço dizer:
“Que branco que ele é! Parece morto!”
e eu que vou sonhando, vago, absorto,
não tenho um gesto, ou um olhar sequer...

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que é que isso me faz? O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça em mim!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...

Florbela Espanca

A minha tragédia



Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que minh'alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...

Florbela Espanca

viernes, 25 de diciembre de 2009

Fazedor de Desgosto

De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura.

Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu rosto é tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.

Livra-me de ti.
Que eu reconstrua meus pequenos amores.
A ciência de me deixar amar
Sem amargura.

E que me dêem a enorme incoerência
De desamar, amando.

E te lembrando...

Fazedor de desgostos...
Que eu te esqueça...

Como saber de mim, sem te saber?

Hilda Hilst

sábado, 19 de diciembre de 2009

Jandira por Murilo Mendes



O mundo começava nos seios de Jandira.

Depois surgiram outras peças da criação:
surgiram os cabelos para cobrir o corpo,
(às vezes o braço esquerdo desaparecia no caos).
E surgiram os olhos para vigiar o resto do corpo.
E surgiram sereias da garganta de Jandira:
o ar inteirinho ficou rodeado de sons
mais palpáveis do que pássaros.
E as antenas das mãos de Jandira
captavam objetos animados, inanimados,
dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
quando Jandira penteava a cabeleira...

Depois o mundo desvendou-se completamente,
foi-se levantando, armado de anúncios luminosos.
E jandira apareceu inteiriça,
de cabeça aos pés.
Todas as partes do mecanismo tinham importância.
E a moça apareceu com o cortejo do seu pai,
de sua mãe, de seus irmãos.
Eles é que obedecem aos sinais de Jandira
crescendo na vida em graça, beleza, violência.
Os namorados passavam, cheiravam os seios de Jandira
e eram precipitados nas delícias do inferno.
Eles jogavam por causa de Jandira,
deixavam noivas, esposas, mães, irmãs
por causa de Jandira.
E Jandira não tinha pedido coisa alguma.
E vieram retratos no jornal
e apareceram cadáveres boiando por causa de Jandira.
Certos namorados viviam e morriam
por causa de um detalhe de Jandira.
Um deles suicidou-se por causa da boca de Jandira.
Outro, por causa de uma pinta na face esquerda de Jandira.
E seus cabelos cresciam furiosamente com a força das máquinas;
não caía nem um fio,
nem ela os aparava.
E sua boca era um disco vermelho
tal qual um sol mirim.
Em roda do cheiro de Jandira
a família andava tonta.
As visitas tropeçavam nas conversações
por causa de Jandira.

E um padre na missa
esqueceu de fazer o sinal-da-cruz por causa de Jandira.

E Jandira se casou.
E seu corpo inaugurou uma vida nova,
apareceram ritmos que estavam de reserva,
combinações de movimento entre as ancas e os seios.
À sombra do seu corpo nasceram quatro meninas que repetem
as formas e os sestros de Jandira desde o princípio do tempo.

E o marido de Jandira
morreu na epidemia de gripe espanhola.
E Jandira cobriu a sepultura com os cabelos dela.
Desde o terceiro dia o marido
fez um grande esforço para ressucitar:
não se conforma, no quarto escuro onde está,
que Jandira viva sozinha,
que os seios, a cabeleira dela transtornem a cidade
e que ele fique ali à toa.

E as filhas de Jandira
inda parecem mais velhas do que ela.
E Jandira não morre,
espera que os clarins do juízo final
venham chamar seu corpo,
mas eles não vêm.
E mesmo que venham, o corpo de Jandira
ressuscitará inda mais belo, mais ágil e transparente.


Murilo Monteiro Mendes (Juiz de Fora, 13 de maio de 1901 — Lisboa, 13 de agosto de 1975) foi um poeta brasileiro, expoente do surrealismo brasileiro.

Cartas de Sanha e Sofrimento: N. 3

Hoje a realidade bateu em minha porta.
Trancado estava e trancado permaneci.

Lembro de ver você chegar, se aproximar, sorrir, apertar minha mão e cantar pra mim.

Sonho?
Talvez sim e porque não.

Realidade?
Não sei. Sigo inerte.
Rubro pingente do amor perdido.

Sucumbo no próprio universo de meu eu...
Sem saber se sou...
E sem saber, fico, não sei até quando...

Acreditando que meu sangue errou de veia e se perdeu...

Ou que talvez de fato o amor fuja de mim.

Ou...

Fica imerso no abismo de nós dois que é sempre meu...

Agora preciso ir...

Trancar-me-ei no porão que construí com tua ausência...

E rogo ao senhor do esquecimento que apague de minha memória esse dia...

Não posso mais chorar.

Se chegue tristeza...

Ouça!!!

Ouça, vá viver
Sua vida com outro alguém
Hoje eu já cansei
De pra você não ser ninguém

O passado não foi o bastante
Pra lhe convencer
Que o futuro seria bem grande
Só eu e você

Quando a lembrança
Com você for morar
E bem baixinho
De saudade você chorar

Vai lembrar que um dia existiu
Um alguém que só carinho pediu
E você fez questão de não dar
Fez questão de negar

Maysa

Dois meninos!!!

Como dois meninos
que se entendem sem falar.
Como dois meninos
fizemos de tudo o amor.

Como dois meninos
fugimos de tudo um dia.
Fizemos tudo um dia
e ficamos sem saber.

Como dois meninos
nós brigamos por tolices
entendemos a saudade.

Nunca mais, nós dois seremos
como dois meninos.

Maysa

Morrer não dói!!!


O amor é o ridículo da vida.

A gente procura nele uma pureza impossível.

Uma pureza que está sempre se pondo, indo embora.

A vida veio e me levou com ela.

Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga ideia de paraíso que nos persegue, bonita e breve.

Como as borboletas que só vivem vinte e quatro horas.

MORRER NÃO DÓI...

Cazuza

Cartas de Sanha e Sofrimento: N. 2

Passei noites escrevendo-te uma carta.
Você rasgou...

Olhei em teus olhos e disse que te amava com todas as minhas forças.
Você riu de mim...

Por fim...
Cortei os pulsos e assim fiquei a sangrar...
Você me deixou morrer...

Corredor estreito...
Costas largas...

No último instante, percebi que eu e você nunca fomos nós...

miércoles, 16 de diciembre de 2009

Cartas de Sanha e Sofrimento: N. 1

Não quero voltar a sonhar acordado e ver um oásis no deserto de meu coração...
Um ano sem você e a minha vida segue aos pedaços, com o pouco de ar que tenho em meus pulmões tento seguir vivo.
O que sobrou de nós dois não dá nem pra repartir, assim, meio sem querer ser ou saber se sou, ou ainda se seguirei.
Quem sou eu, meu amor sem você?
Que de tão leve o desejar de teus braços eu possa sentir o peso do teu corpo sobre o meu, as tuas costas largas, o teu olhar perseguidor de minhas voltas loucas, procurando algo que perdi dentro de mim.
Estou trancado.
Fechado em mim mesmo, e as chaves? As chaves você levou, e na espera angustiante de que um dia, ó meu amor, tu voltes a mim, me tranco no porão junto com tua ausência.
O amor foge de mim, e a felicidade se aproxima as vezes, mas nunca me olha nos olhos.
Tenho comigo a tristeza, eterna companheira, a solidão que me apavora. Nos dias de chuva eu sinto meu corpo frio, meu sangue adeja na água, congelado na eterna espera do teu abraço.
E por mais que eu tente, eu sei e sinto uma dor insuportável, pior do que a fome, talvez pior do que a morte e a única certeza que me persegue e me pertence, nesse universo em que me abismo eu possuo uma mescla dessa terrível convicção: Como é triste esperar por alguém que sabemos que nunca virá.
Meu amor:
Eu sem você sou poço oco...
Sou parede sem reboco...
Sou vitrola sem tocar...
Sou peixe fora do mar...
Sou um barco sem vela...
Sou pintor sem aquarela...
Sou poema sem rima...
Sou rua sem esquina...
Sou como concha vazia de quem o mar esqueceu...
Ó meu amor, longe ti sou passarinho sem asas, sem poder voltar pra casa...
E no desvario meu, me ponho a sonhar e te peço, não te afastes de mim, temendo a minha sanha.
"Se você vai sair, eu chovo"...
E o que mais desejo agora é dormir e sonhar um sono só, e voltar no tempo, naquele instante em que me beijavas e encostavas teu peito no meu, e nesse momento parar e ficar prisioneiro do tempo e nele permanecer...
Sigo sem entender o amor.
Me disseram da paixão:
"Que ela quer sangue e corações arruinados e saudade é só mágoa por ter sido feito tanto estrago".
E...
Pra amainar...
"Que a paixão é um mar, parabólica dilatada, estrada que dói"...

P.S. Ele deixou o meu corpo e ardeu de desejo para com outros...
P.S. 2: Se te pareço noturno e imperfeito, olha-me de novo, porque esta noite olhei-me a mim, como se tu me olhasses...