martes, 21 de septiembre de 2010

Insustentável ou Sobre o amor e outras dores...



Não suporto o vazio das palavras caladas, mudas, mortas. Porque você entra assim na minha vida e sai de mim tão rápido como entrou. E eu, incerto, te deixei ficar... Sempe gostei do sofrer, do despregar-se de si mesmo, das longas conversas em solilóquio, de não saber o ponto onde deixo de ser eu pra ser o outro... No fundo eu sinto que te quero apenas pra poder te deixar... Mastigar o próprio ser, refazer-me... Experimento esse "eu" que não consigo terminar...

E esse choro que brota agora, nem eu sei se é verdadeiro, porque se fosse verdadeiro o coração devia acompanhar angustiado por não saber o que perdeu, enquanto a razão zomba, dizendo que não se pode perder o que nunca se teve... E assim, com essa mescla de loucura e sanidade eu sigo com o tempo. Andando perdido nos puídos dos meus próprios vãos, sem saber ao certo quem sou e o que quero agora, ontem eu não sabia, hoje não sei e a amanhã contianua incerta como os beijos que você me deu...

Densa atmosfera que paira sobre meus pensamentos tortuosos, despretensioso estou em relação a vida que me segue, pois deveria ser eu seguindo a vida? Não. Deveria ser "eu vivendo a vida" ...

-Você me atrai. Disse ele. E me beijou como beijam os Mouros...

Começo a sufocar e sem ter pra onde fugir, porque todos os lugares onde vou já me são conhecidos, preciso me reinventar e encontrar novos esconderijos de mim, queimar em minha própria chama, mas dessa vez tenho receio que talvez eu me torne cinzas... E que não seja você o vento que me leve...

Até quando posso ser lindo, livre e louco?

miércoles, 30 de junio de 2010

Construção de dois 4: Dànskï e Gildo em Solilóquio de São João



Andando pela rua alheio a tudo, olhei a fogueira de São João e pensei que não saberia dizer se ela me queria tanto quanto eu a ela naquele instante. Quis ardentemente que suas chamas me lambessem e que as labaredas consumissem aquele corpo que eu achei que era meu, mas a cada dia vou descobrindo que não me tenho mais, desde que entreguei meu coração num tempo que nem me lembro quando. Antes que me lançasse às chamas, sentei na calçada me afastando mentalmente dos últimos pedidos de casamento e declarações de amor, chorando mais que chuva...



...pensei que podia me afastar de mim mesmo, já que não reconhecia mais nem minhas próprias atitudes, mas acho que tive medo de entrar em mim e nunca mais me reencontrar. Mais uma vez sentado no chão, me deixei escorrer pelos cantos, sentindo que um rio de tragédias se misturava ao meu sangue deixando a minha alma arrepiada pela certeza de que desde o início eu soubera de tudo e mesmo assim, não tivera medo e me lancei, porque gosto das coisas inexplicáveis, que pra você são só ar e sangue... gosto do calor dessa fogueira, que deixa minha alma cada minuto mais gelada.


Sinto que estou a cada dia mais vazio de mim. Vivo a rabiscar frases, traçar desenhos tortos. Na semana passada, comprei uma máquina de picotar papel na intenção de apagar o passado e foi tudo em vão: com a cara escorrendo e o copo de vinho vazio, senti uma solidão tão dolorosa, enquanto a máquina transformava fotos e textos em tiras fininhas... Pensei que um dia não estarei mais aqui e então será que alguém iria olhar essas coisas com carinho e curiosidade, ou seriam todas postas numa caixa sem destino certo, além de teias de aranha e pó. Ou quem sabe se algum dia iriam formar desenhos de meu passado subindo na fumaça d'uma fogueira como esta...


Acho que meu maior (de)feito é ver poesia em tudo, até mesmo no sangue e na lágrima. Até nessa dor que me atravessa a garganta, sem atravessar minhas noites e dias. Tenho um certo medo de um dia não existir nenhum rastro de mim. Ando lendo desenfreadamente, marcando e grifando, deixando minhas impressões nos livros usados que compro, na esperança de encontrar subterfúgios e meras passagens de um alguém que se perdeu no caminho ou nunca quis ser encontrado. E também imagino alguém lendo um livro que li e pensando no quanto sofri nesse dia, nessa vida. E se pensar por que sofri, é porque sofre também. Às vezes eu mesmo sofro assim ao ler alguns livros e fico sem ar, paro de ler e penso em quem escreveu...


...olhando pra dentro da fogueira eu continuo meu solilóquio inútil, me sentindo o cara mais complicado do mundo. Às vezes me sinto tão complexo, quanto se tivesse fases e todas elas fossem trágicas. Acredito cada dia mais que constatar verdades é uma mentira na qual nos esforçamos em acreditar, porque afinal de contas o que é a verdade? É axioma, definição exaustiva, conceito? Em que mundo deserto eu caminho, tão árido, só tendo o oásis de minha auto-estima intermitente? Disseram que eu sou um anacoluto ambulante, mas prefiro achar que eu sou aforismo. Não é que deixe as frases quebradas. É que elas são o suficiente pra redundar se houver delongas...


Onírico ou louco? Ando ouvindo o som da minha própria voz. Quando não me ouço, parafusos imaginários saltam de mim. Minha mente vã me faz pensar que me despedaço e o pior que tenho a impressão de que ouço o barulho de mim mesmo caindo de mim, enquanto meu coração dispara, querendo encontrar alguém pra passar a noite ouvindo Piaf e fraseando na madrugada, enquanto choramos mágoas tomando vinho barato, pra dor de cabeça do dia seguinte dispersar as lembranças.


Levanto e deixo pra trás a fogueira, que vai queimando minhas vontades e eu vou pensando bobagens: se alguém escrever uma poesia pra mim num papel velho e me entregar, eu me caso, mas só se a poesia for boa. Odeio rima pobre! ...a não ser que seja um soneto...


E então, sozinho em um quarto que não é meu, numa cama onde amores furtivos passaram em braços que nunca estarei, olho pela janela e vejo outro prédio. Alguém vê televisão. Ainda é São João, mas não há fogueiras lá fora. Resta apenas o frio no fundo do meu coração. Disputo com as formigas o último pedaço de chocolate amargo, meu preferido e você nunca soube, agora vou mudar de sabor, pois quando provei lembrei do último beijo que você me deu.


Fecho a janela e penso com o coração ainda disparado: todos têm a segunda chance por direito...

viernes, 11 de junio de 2010

Construção de dois "3": Gildo e Danski, no escuro do penhasco



Acordei de alma mais puída que o amor que procurei entre os vãos.
Talvez porque minha alma seja mais ilha do que eu me sinta mar.
O que é minha intenção? Borboleta preta ou lagarta verde? Não sei.
Não passo a vida buscando o passado que eu quis.
O passado passou e só ilumina o que deixei lá atrás.
Vou em busca é do escuro dos penhascos.
E não ofereço minha mão perguntando a ninguém
"Se eu pular, você pula?"
Prefiro pensar que sou estrada muito estranha, pra alguém trafegar.

"Poucas serão as pessoas que vão querer
carregar a mesa de madrugada com você.
Quando achar essa pessoa, acabou sua busca."
Estava escrito isso no meu biscoito da sorte.
Mas sabe? Prefiro carregar só e você me diz onde fica melhor
e vou te amar assim mesmo.
A gente discute e assim se encaixa.

Sei que é trabalho pra Hércules achar quem carregue junto
e se você achar, agarre, respeite, compreeenda e alimente o amor
até que chegue o dia de alguém partir.
Em vez de procurar a metade, alguém que carregue a mesa
penso é que jamais me contentaria com remendo.
Sei que minha metade veio ao mundo pra me ver e nunca me encontrou
E a mim pouco importa o que foi feito dos tesouros
que busquei em vãos puídos.
Mudo a vista de lado, e calo, esperando a calmaria dos ventos
O resto? Vai fluindo, vazando, escorrendo...

É, eu bem que chorei e esse amor foi um dilúvio,
naufrágio ou rio de lágrimas. Sobrevivi de alma já seca.
Porém não me iludo e sei que o pior ainda será
suportar o vazio do porta retrato
e eu tenho um vazio aqui. A foto vai e vem.
Mil vezes rasguei, revelei
E tentei além de mim, muitas vezes
Então tornei a rasgar...
Acho que vou amar alguém que me ame
e mesmo que saiba que eu não amo, vou achar que sim
Pra vida ficar menos árdua.

É que quando a gente ama, se perde.
Melhor não é amar, é curtir os sentimentos
sem deixar que a dor entre ao passar pela porta.
E se ela chegar, aviso que é o dia de faxina
E que tô jogando fora os livros sobre metamorfoses
Porque quanto mais a gente ama, mais o amor acontece
E muda, transforma. E o amor não quer transformação
Quer ser vivido, amado, sentido...
A velha história no escuro do penhasco
Se eu pular, você pula?

Cansaço de cair só no vácuo
e procurar o amor naquele tal puído dos vãos...
De dar-me por inteiro e receber tão pouco...
Li ontem um velho poema teu, "Meu coração em pó"...
"No corredor estreito que se tornou a minha vida,
eu sigo procurando tua imagem, as paredes me sufocam,
enquanto eu piso nos restos
da ausência que o teu amor deixou..."
Penso que já não dá mais pra mim.
Sofrer amadurece e eu quero mais é ser criança.
Daqui a pouco olho no espelho e pergunto:
Quem sou eu? O que fiz de mim?
Crise existencialista a essa altura, dá mais não...

...mas sabe o que em mim pesa agora?
É que ninguém quer mais ouvir a mesma história
Já encheu o saco e não da pra ter dois lados:
um que ri e um que chora a mesma mágoa,
o mesmo tédio, a mesma angústia funda sem remédio,
Eu vou é me dar ao luxo, mudar o mote.
Sei que o tempo não tem feição, não tem cheiro e nem tem cor...
Então se é assim, estarei na porta de saída, vendo o portão de chegada.

E rasgo de vez aquela carta que te escrevi faz 10 anos
mas esqueci de entregar.
Assim como você não quis explicar quando foi
que esqueceu de dizer que deixou de me amar, pra não me magoar.
Sei que você não tem culpa, afinal, por mais que acredite
que minha cabeça seja diferenciada de muitas
e que tenha um monte de vozes gritando ao mundo e a mim
que quando alguém abandona outro alguém devia apenas dizer:
"vou de trem, adeus meu bem e passe bem".

miércoles, 5 de mayo de 2010

Se eu pudesse ir e não me levar...



Nada poderia ser mais diferente de mim do que eu mesmo. Por isso, é unicamente na solidão que por vezes eu atinjo uma certa continuidade existencial, mas de repente a minha vida se entorpece, para. É quando sinto uma imensa dor da qual ninguém adivinha e literalmente eu sinto que vou deixar de ser...

É quando sinto que meu coração bate apenas por simpatia...

Ultimamente não tenho me sentindo vivo, apenas quando escapo de mim para viver no outro ou me tornar qualquer um...

Nada para mim tem realidade, senão poética... A começar por mim mesmo...

Parece às vezes, que não existo realmente, mas que simplesmente imagino que sou. Aquilo em que mais custo a crer é em minha própria realidade. Escapo-me de mim sem cessar, e nunca me compreendo bem, quando me observo agir e que aquele que vejo agir seja o mesmo que observa e que se surpreende e duvida e acredita que não é mais, nem voltará a ser...

Então calo e imagino sentir o que sinto...

É como se eu estivesse indo sem me levar, sem saber que vou...

Acordo e repito. Ah se eu pudesse ir e não me levar...


"Gosto da noite imensa, triste e preta, como essa estranha e doida borboleta que eu sinto sempre a voltejar em mim"...

Cochabamba-Bolívia

sábado, 13 de marzo de 2010

Vazio de mim...

Tu m'a quité. Je sais que j'ai besoin de toi, mais tu ne le sauras jamais...
...Et si depuis ce soir-là je pleure c'est qu'il fait froid dans le fond de mon coeur...

sábado, 30 de enero de 2010

Construção de dois "2": Gildo e Danski em Inacabado por tempo que o tempo dirá



Com você, uni versos e palavras...
Construí mundos invisíveis, onde ninguém jamais pode entrar...
E assim, me perdi de mim.
Agora ando em verso mudo, como o silêncio de um convento.
Uma triste cortina de renda, velhinha e em pedaços a espera de vento.
Uma parte de mim se perdeu...
Ó meu amor, longe de ti quem sou eu?

Sou como poço oco, parede sem reboco, peixe fora do mar...
Barco sem vela, pintor sem aquarela, vitrola sem tocar...
Sou poema sem rima, rua sem esquina...
sou concha vazia de quem o mar esqueceu...
De mim? O que restou...

Amei só...
Meu corpo verga, dilacerado ainda se move...
E os versos que uni por você, agora são parte morta.
Mesmo que meu grito se fizesse mudo, minha garganta rouca vomita teu corpo de fogo...
Meu corpo adeja na água.


Agora não tenho e já não posso.
Uni versos, porque as palavras não me pertencem mais...
O meu grito é vertical, pra te alcançar no horizonte.
Afora a saudade, adentro em esperas...
nos meus olhos, uma fina garoa... sou abismo de desmemórias pra você verter em sangue...

...colha e se farte do fruto farto do desejo escolhido...

jueves, 14 de enero de 2010

Construção de dois: Gildo e Danski nesse universo que é o amar...



Ando querendo pescar palavras
Buscar idéias...
Meus dias se converteram em silêncios ocupados
Desses que consomem a gente à exaustão

Tenho tantos medos e uma quantidade infinita de incertezas
então vago sem rumo, cambaleante
procuro em minhas margens os passos que não são meus
vacilante, sigo a estrada
pensando em dias de sol, dias de chuva...
...e sigo hesitando

Meu corpo é meu espelho
e na falta de outras certezas, voo
Busco asas no meu e no teu corpo
e minhas asas parecem sussurrar o tempo todo:
"Liberdade é voltar pra onde se quer estar
É ficar onde se sente bem
É voar pra onde está o desejo inerte"

...e rogo que seja meu o teu olhar
E que eu me permita ser permitida
Que me deixe entrar nos puídos dos vãos
e habitar as lacunas, as frestas
quero a promessa que habita os sorrisos
Já não quero ser poeira esquecida no tempo
nem temer o sentimento de posse
Porque possessão é antítese de amor

sábado, 2 de enero de 2010

Sonho Vago



Um sonho alado que nasceu um instante,
Erguido ao alto em horas de demência…
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristíssima, distante…

Onde está ele, o Desejado? O Infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?

E neste sonho eu já nem sei quem sou…
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou…

Um fogo-fátuo rútilo, talvez…
E eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e não me vês!…

Florbela Espanca

jueves, 31 de diciembre de 2009

Cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado...




Cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado
Quem diz que me entende nunca quis saber
Já fui internado numa clínica e aqui estou
Dizem que por falta de atenção dos amigos,das lembranças
E dos sonhos que se configuram tristes e inertes
Como uma ampulheta imóvel,não se mexe,não se move
Não trabalha
Estou trancado no banheiro
E faço marcas no meu corpo com um pequeno canivete
Deitado no canto,meus tornozelos sangram
E a dor é menor do que parece
Quando me corto me esqueço
Que é impossível ter da vida calma e força
Viver em dor,o que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer
Um de seus amigos já se foi
Quando mais uma ocorrência policial
Ninguém entende,não me olhe assim
Com este semblante de bom samaritano
Cumprindo o seu dever,como se eu fosse doente
Como se toda essa dor fosse diferente,ou inexistente
Nada existe pra mim,não tente
Você não sabe e não entende
E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito
Eu sei que a loucura está presente
E sinto a essência estranha do que é a morte
Mas esse vazio eu conheço muito bem
De quando em quando é um novo tratamento
Mas o mundo continua sempre o mesmo
O medo de voltar pra casa à noite
Os homens que se esfregam nojentos
No caminho de ida e volta da escola
A falta de esperança é o tormento
De saber que nada é justo e pouco é certo
E que estamos destruindo o futuro
E que a maldade anda sempre aqui por perto
A violência e a injustiça que existe
Contra todos...
Um mundo onde a verdade é o avesso
E a alegria já não tem mais endereço
Eu, trancado no meu quarto
Com meus discos e meus livros, meu cansaço
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo existir
E vou voar pelo caminho mais bonito
Só tenho alguns anos e sou velho...

Adaptação livre não consentida da letra de Clarice de Renato Russo em Uma outra estação.

martes, 29 de diciembre de 2009

Conto de fadas



Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Como que sarei a minha própria dor.

Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de ouro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
- Eu sou Aquele de quem tens saudade,
O príncipe do conto: "Era uma vez..."

Florbela Espanca

Tarde demais



Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E para o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...

Chegaste, enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia de ouro dos desertos
Procurara-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu era novo e lindo!...
E a minha boca morta grita ainda:
Por que chegaste tarde, ó meu Amor?

Florbela Espanca

Tédio



Passo pálida e triste. Ouço dizer:
“Que branco que ele é! Parece morto!”
e eu que vou sonhando, vago, absorto,
não tenho um gesto, ou um olhar sequer...

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que é que isso me faz? O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça em mim!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...

Florbela Espanca

A minha tragédia



Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que minh'alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...

Florbela Espanca

viernes, 25 de diciembre de 2009

Fazedor de Desgosto

De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura.

Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu rosto é tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.

Livra-me de ti.
Que eu reconstrua meus pequenos amores.
A ciência de me deixar amar
Sem amargura.

E que me dêem a enorme incoerência
De desamar, amando.

E te lembrando...

Fazedor de desgostos...
Que eu te esqueça...

Como saber de mim, sem te saber?

Hilda Hilst

sábado, 19 de diciembre de 2009

Jandira por Murilo Mendes



O mundo começava nos seios de Jandira.

Depois surgiram outras peças da criação:
surgiram os cabelos para cobrir o corpo,
(às vezes o braço esquerdo desaparecia no caos).
E surgiram os olhos para vigiar o resto do corpo.
E surgiram sereias da garganta de Jandira:
o ar inteirinho ficou rodeado de sons
mais palpáveis do que pássaros.
E as antenas das mãos de Jandira
captavam objetos animados, inanimados,
dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
quando Jandira penteava a cabeleira...

Depois o mundo desvendou-se completamente,
foi-se levantando, armado de anúncios luminosos.
E jandira apareceu inteiriça,
de cabeça aos pés.
Todas as partes do mecanismo tinham importância.
E a moça apareceu com o cortejo do seu pai,
de sua mãe, de seus irmãos.
Eles é que obedecem aos sinais de Jandira
crescendo na vida em graça, beleza, violência.
Os namorados passavam, cheiravam os seios de Jandira
e eram precipitados nas delícias do inferno.
Eles jogavam por causa de Jandira,
deixavam noivas, esposas, mães, irmãs
por causa de Jandira.
E Jandira não tinha pedido coisa alguma.
E vieram retratos no jornal
e apareceram cadáveres boiando por causa de Jandira.
Certos namorados viviam e morriam
por causa de um detalhe de Jandira.
Um deles suicidou-se por causa da boca de Jandira.
Outro, por causa de uma pinta na face esquerda de Jandira.
E seus cabelos cresciam furiosamente com a força das máquinas;
não caía nem um fio,
nem ela os aparava.
E sua boca era um disco vermelho
tal qual um sol mirim.
Em roda do cheiro de Jandira
a família andava tonta.
As visitas tropeçavam nas conversações
por causa de Jandira.

E um padre na missa
esqueceu de fazer o sinal-da-cruz por causa de Jandira.

E Jandira se casou.
E seu corpo inaugurou uma vida nova,
apareceram ritmos que estavam de reserva,
combinações de movimento entre as ancas e os seios.
À sombra do seu corpo nasceram quatro meninas que repetem
as formas e os sestros de Jandira desde o princípio do tempo.

E o marido de Jandira
morreu na epidemia de gripe espanhola.
E Jandira cobriu a sepultura com os cabelos dela.
Desde o terceiro dia o marido
fez um grande esforço para ressucitar:
não se conforma, no quarto escuro onde está,
que Jandira viva sozinha,
que os seios, a cabeleira dela transtornem a cidade
e que ele fique ali à toa.

E as filhas de Jandira
inda parecem mais velhas do que ela.
E Jandira não morre,
espera que os clarins do juízo final
venham chamar seu corpo,
mas eles não vêm.
E mesmo que venham, o corpo de Jandira
ressuscitará inda mais belo, mais ágil e transparente.


Murilo Monteiro Mendes (Juiz de Fora, 13 de maio de 1901 — Lisboa, 13 de agosto de 1975) foi um poeta brasileiro, expoente do surrealismo brasileiro.

Cartas de Sanha e Sofrimento: N. 3

Hoje a realidade bateu em minha porta.
Trancado estava e trancado permaneci.

Lembro de ver você chegar, se aproximar, sorrir, apertar minha mão e cantar pra mim.

Sonho?
Talvez sim e porque não.

Realidade?
Não sei. Sigo inerte.
Rubro pingente do amor perdido.

Sucumbo no próprio universo de meu eu...
Sem saber se sou...
E sem saber, fico, não sei até quando...

Acreditando que meu sangue errou de veia e se perdeu...

Ou que talvez de fato o amor fuja de mim.

Ou...

Fica imerso no abismo de nós dois que é sempre meu...

Agora preciso ir...

Trancar-me-ei no porão que construí com tua ausência...

E rogo ao senhor do esquecimento que apague de minha memória esse dia...

Não posso mais chorar.

Se chegue tristeza...

Ouça!!!

Ouça, vá viver
Sua vida com outro alguém
Hoje eu já cansei
De pra você não ser ninguém

O passado não foi o bastante
Pra lhe convencer
Que o futuro seria bem grande
Só eu e você

Quando a lembrança
Com você for morar
E bem baixinho
De saudade você chorar

Vai lembrar que um dia existiu
Um alguém que só carinho pediu
E você fez questão de não dar
Fez questão de negar

Maysa